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RELIGIÃO

Epidemia e isolamento

Minha experiência com isolamentos se inicia em julho de 1997, o ano em que entreguei meu Mutuê ao meu Nkise. Foram 25 dias com o mínimo de contato humano, recolhido para o meu Deus, me iniciando nos ritos do Candomblé de Angola.

Candomblé

Depois desses 25 dias, 3 meses de Kelê. É ainda um tempo em que, mesmo já podendo conviver com o mundano, ainda estamos demasiadamente imbuídos do sagrado. Ninguém pode nos tocar, há diversos tabus e proibições.

Os recolhimentos se repetiram, por períodos menores, em 2004, 2011 e 2018, respectivamente 7, 14 e 21 anos de santo feito. É difícil, mas nada que não passe. Óbvio que são períodos voluntários, recolhimentos dedicados a um sagrado especial. Nada comparado ao que estamos, agora, atravessando. Mas há semelhanças importantes: proibição de apertos de mão, abraços e beijos, mas não de demonstrações de afeto. Proibição de consumo de bebidas alcoólicas, inexistentes, felizmente no momento atual; nada de sexo. No caso religioso, vedação completa; agora, só com quem não está próximo. No meu caso, proibição total. Estou solteiro e não estou disponível para nenhum tipo de vírus.

Mas hoje, a minha reflexão vai para algumas piadas que tenho lido nas redes sociais. Uma delas dizia: durante a quarentena a Lei Maria da Penha foi abolida? Para mim foi um escândalo ler isso num grupo de trabalho. Veio como piada, mas obviamente partiu de um homem. O que esta pessoa pensa? que é engraçado bater em mulher? Que conviver com a própria esposa é tão insuportável? Por que se casaram, se não conseguem passar esse período de provação se apoiando? É nesse momento que há uma verdadeira prova de amor, e não quando se compra uma joia para compensar uma grosseria ou uma agressão.

As outras piadas diziam respeito a ficar com os filhos durante muito tempo dentro de casa, sem escola. Algumas pessoas dizendo que não suportariam, áudios de mães reclamando, um post mencionando a possibilidade de uma mãe descobrir a cura da doença por conta da impossibilidade de conviver com os próprios filhos.

Eu não tenho cônjuge nem filhos. Mas me questionei sobre se eu estivesse confinado com minha mãe e minha irmã, que são a minha família mais próxima, se nosso amor resistiria. Impossível dizer, mas a possibilidade é alta. Eu tenho um enorme respeito pelas pessoas, talvez por ter vivido anos em repúblicas das mais diversas formações. Sei que somos diferentes e que a única coisa mais complicada de resolver é a questão da honestidade financeira.

Uma das perguntas que me ronda é: se eu não consigo conviver 24h por dia, 7 dias por semana com uma pessoa, por que me juntei a ela? Tive dois casamentos, um de cinco anos e outro de sete. Neste último, fizemos pelo menos uma viagem por ano. As menores eram de 15 dias, a maior foi de 28 dias. Passávamos 24 horas juntos todos os dias. O casamento acabou há 6 anos e ainda somos grandes amigos. Jamais nos desrespeitamos, jamais brigamos de forma irreconciliável. Houve discussões acaloradas, houve momentos de raiva, mas jamais houve agressão, verbal ou física. O respeito e a amizade sempre pautaram meus relacionamentos.

Educação e Sociedade

A outra é: o que os pais estão fazendo com seus filhos? Outrora as famílias extensas e tribais eram a regra. Com a revolução industrial e o acirramento do capitalismo, o número ideal de filhos se reduziu, porque o índice de mortalidade infantil melhorou. Na família extensa, há tias, tios, primos, irmãos, uma confusão familiar vivendo junta na mesma habitação. Entretanto, na virada do século XX muita coisa mudou em função dessa industrialização e a família nuclear acabou virando a regra. A educação passou a ser da sociedade, formal e escolar, de modo geral. E o que se tornou a relação parental? Tenho amigos e amigas que não suportam os filhos. Adolescentes que odeiam os pais (eu odiava o meu, mas jamais deixei de amar minha mãe). É natural isso?

Muitos de meus amigos são artistas e convivem com os filhos 24 horas por dia. Seja por não terem condições de pagar uma pessoa que lhes auxilie, seja pela falta de condições fornecidas pelo Estado para uma educação formal durante os primeiros anos. São crianças saudáveis e os pais, usualmente, embora não seja regra, optaram por gerar essas crianças. A liberdade é a regra.

Talvez esse momento de nos recolhermos seja ideal para revisar os modos de produção mesmo. Na minha parca visão o modo capitalista neoliberal se provou inepto para a convivência humana.

Uma resposta

  1. Então, Cris… vc teve uma leitura bem crítica acerca dos relacionamentos em familia e isso é bem legal, mas é a visão de um atual observador. É a leitura de quem lida parcialmente com essa realidade.
    A gente tem conversado aqui que conviver é difícil mesmo… e quando se tem filhos a tensão aumenta. Sobre isso posso falar, eu vivo isso diariamente…
    Todos tentamos dar o melhor e muitas das vezes não conseguimos… ninguém é perfeito…
    Os julgamentos são perigosos, sabe… pois nos colocam numa posição acima, como se fossemos imunes aos erros… e não somos!
    Quanto aos memes… às vezes eles são uma válvula de escape… uma maneira de rirmos de nós mesmos…
    Você é muito crítico. Eu também sou! Mas as vezes devemos guardar isso… não vale a pena gerar uma indisposição… todos somos iguais, embora às vezes pareça que estamos com a razão… também te amo, meu amigo…
    você cativa as pessoas que estão ao seu redor, sabe se expressar! Não deixe que as críticas afastem as pessoas de vc… esse é um exercício que eu faço diariamente… e nem sempre sou bem sucedida…rs
    Amar é uma opção que podemos fazer. Todos os dias… que sejamos reconhecidos pelo AMOR!🌷

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