RUY CASTRO
Conversões tardias
RIO DE JANEIRO – Ao acompanhar a súbita conversão de Dilma Rousseff e José Serra à vida espiritual -visitam igrejas, não perdem uma romaria, “postam” fotos de sua primeira comunhão e usam o Santo Nome com um à-vontade que faria inveja ao próprio Cristo-, confesso que já me sinto condenado às labaredas quando passar desta para melhor.
Ao contrário de Dilma e Serra, que têm o que mostrar, eu não poderia reconstruir um passado tão pio. Meu pai, como maçom, era bastante anticlerical. Donde nunca fiz a primeira comunhão, nem as comunhões seguintes, e as únicas missas a que já assisti foram as de sétimo dia -coisa que, aliás, nos últimos anos, tenho feito mais do que gostaria. No colégio, era dispensado da aula de religião.
Da mesma forma nunca assisti a cultos evangélicos, a não ser em filmes americanos tipo “Entre Deus e o Pecado” ou “Imitação da Vida”. É verdade que, às vezes, tenho de escutar a pregação dos pastores porque, com o sistema de amplificação de seus templos, eles se fazem ouvir a quarteirões de distância. Também nunca fui a uma sessão espírita e, para que não se diga que minha ignorância se limita às religiões convencionais, acrescento que o mais perto que já cheguei do candomblé foi num Réveillon carioca dos anos 60, quando Copacabana só atraía alguns milhares de pessoas, não milhões.
Esse distanciamento da religião e da divindade não me tornou melhor do que ninguém, embora deva ter me poupado de algumas culpas e expiações. Mas não me eximiu de responsabilidades, como a de tentar não fazer mal a ninguém e, se possível, fazer o bem. E gosto de saber que não sou de mentir mais do que o aceitável -o que, para mim, é fácil, já que não sou político.
Dilma e Serra devem ser tão religiosos quanto eu. Mas talvez eu peque menos, porque não preciso copidescar minha biografia.
No UOL de hoje: