O fim

Ontem fui à ópera. Fui ver Il Trovatore, numa direção primorosa de Bia Lessa. Irrepreensível. Maravilhoso figurino, cenário minimalista e completamente funcional, uma soprano em plena forma e uma mezzo que dava arrepios ao ser ouvida. Maravilhosas. Os demais cantores bastante bons, mas apagados pelo brilho das duas antagonistas.

A nota embaraçosa foi dada pela platéia. Meu Deus! Espero que os idosos aprendam a se comportar em espetáculos. Para começar, uma delas, sentada ao nosso lado, tripudiou o meu sofrimento para comprar os ingressos. Disse, com um leve sorriso de deboche nos lábios, que me reconhecia da fila para comprar os bilhetes e que, enquanto eu perdera mais de duas horas na fila, ela conseguira os dela em menos de dez minutos. Nada contra a preferência para idosos, gestantes, pessoas portadoras de necessidades especiais e quetais, mas quando há somente dois guichês, uma fila gigantesca, alguma providência dos gerentes responsáveis pela venda deve ser tomada. Abrir mais guichês para atender ao público em geral é uma idéia. A outra o guichê preferencial atender alternadamente um da fila geral e um da fila preferencial, ou seja, alguma atitude deve ser tomada…

Passado esse momento, veio o espetáculo, primoroso. No primeiro intervalo, várias pessoas saíram, inclusive a tal idosa que me ironizara. Dados os três sinais e apagadas as luzes, ela não havia voltado ainda. É claro que mudamos um pouco mais para o lado, para melhorar o ângulo de visão. Ela voltou depois das luzes apagadas e ficou nas escadas. Bem problema dela. Devia ter voltado antes.

No segundo intervalo, mais pessoas saíram e voltaram depois das luzes apagadas. Daí foi que começou a legítima barbárie. Um garoto, de uns 18 a 20 anos, com a namoradinha, mudou-se para o lugar de duas pessoas que haviam saído. Ele parecia uma cruza de Wally – Onde está Wally? – e Harry Potter. As duas voltaram e o tal Wally Potter, para dar lugar à legítima dona, pisou nos assentos da cadeira em que estava e na que iria sentar-se, de modo totalmente desrespeitoso, ocupando a poltrona novinha, de veludo, reconstruída com o nosso dinheiro, o dinheiro do povo. Pra completar, tive de pedir duas vezes para o tal humaninho – recuso a qualificar como animalzinho esse tipo de criatura, porque os animais comportam-se melhor – para remover a imensa cabeçorra da minha frente. Onde será que a mãe dessa criatura estava quando deveria dar-lhe limites?

Para completar, a platéia, que pagou sessenta reais por lugar para estar ali onde eu estava, conversou o tempo todo. Fala sério. Ópera não começa quando os cantores abrem a boca. As introduções, as partes orquestradas, são fundamentais para dar o humor da cena, para introduzirem o que veremos e ouviremos. Da hora em que as luzes se apagam, o silêncio deve ser completo.

Se a turba carioca ainda não está preparada para esse momento, não deve sair de casa.

Mas nada disso tirou a minha alegria de ver o excelente trabalho da Carla Camurati, que dirigiu a restauração de forma primorosa. O Theatro está deslumbrante. Vários comentários detratores foram ouvidos e publicados, especialmente o do Xexéu, que disse que o rosa das poltronas era horrível. Discordo. Primeiro que aquela cor está longe do rosa e mais próximo do grená, que é uma cor “das antigas” do que do rosa propriamente dito.

Os murais estão lindos, o teto maravilhoso, muita cor, muito brilho. O ouro novinho faz toda a diferença e a fachada com os vitrais renovados está simplesmente deslumbrante. O centenário do velho Theatro foi devidamente homenageado com essa reforma.

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