Todos que me acompanham sabem que a minha maior paixão no mundo é o teatro. Sou um entusiasta. Amo a linguagem, adoro ver peças e participar delas. Claro que gosto mais de ser personagens. Não sei bem de onde vem esse impulso, mas eu me lembro que tudo começou em 1977. Eu estava na sexta série. Naquele tempo, morava em Jaraguá/GO e estudava no colégio Nossa Senhora de Monte Claro, da grande Maria Helena Romachelli. Uma visionária (até hoje).
Ela contratou um professor de português que não deu certo. Hoje reconheço amargamente que deve mesmo ter sido um racismo execrável, mas ninguém gostava dele. Nem mesmo me lembro do nome, mas ele fez, como trabalho da turma da oitava série, a montagem da parte do julgamento do Auto da Compadecida, do Ariano Suassuna. Eu era o mais novo, porque dois anos atrás da turma oficial, mesmo assim peguei o papel de João Grilo. Não tinha ideia da importância, nem me foi explicado à época. Só muito mais tarde descobri os meandros linguísticos e políticos que imbricam o texto magistral de Suassuna.
Em 1977, brincávamos. No elenco, eu me lembro que Teo, meu primo Bráulio Teodoro, fez o Diabo. Cristo foi feito pro uma mulher branca pintada (black face – hoje sei que não deveria ter sido assim, mas eu tinha 12 anos então). Cláudio Amorim fazia o padeiro e não me lembro mais de quem participou. Levando-se em conta o tempo decorrido, até que me lembro de bastante coisa. Mas é irrelevante. O importante é que a semente estava plantada ali.
Os anos se passaram e montamos mais uma peça amadora em Jaraguá, dirigidos por Marcelo de Lira (Lira não era o sobrenome dele, mas o nome da mãe). Uma peça com cara de Adelaide Carraro, de tão moralista. Mas foi legal.
Depois, fui para Goiânia em 1982, para fazer o terceiro científico e preparatório para o vestibular. Jaraguá me sufocava, mas guardo uma boa lembrança de lá.
mais ou menos em 1984 comecei a integrar o grupo de teatro experimental Deixeutiolhádicimembaixo, dirigido por Odilon Camargo. Foi uma experiência muito boa, mas só montamos uma peça de fato. Uma criação coletiva cheia de esquetes. Eu ainda fazia tudo sem consciência, sem estudo. Era só decorar o texto, os movimentos e entrar em cena. Fazíamos muito teatro invisível também, teatro de rua. Mas tudo era só um fazer constante, sem estudo, sem aprofundamento.
Em 1985 me mudei para Brasília por causa do concurso público e continuei no movimento de teatro amador por mais dois ou três anos, mas o tempo, o trabalho, a vida, enfim, foram me afastando dos palcos. A paixão foi se amortecendo, o que era fogo virou brasa e depois cinza…
De 1990 a 2012 eu fiquei totalmente afastado dos palcos. Teatro só para ver. No entanto, durante muito tempo dividi casa com Francisco Frias Neto, que era o professor de canto lírico da Escola de Música de Brasília. Então, por mais que eu não participasse ativamente das montagens, estava sempre rodeado de atores e cantores. Ia ao teatro quando dava, quando havia alguma montagem interessante em cartaz e, principalmente quando viajava para São Paulo.
Mudei-me para o Rio de Janeiro em 2007. Era para ser um projeto de 2 anos, mas acabou se tornando uma mudança permanente. Naquele mesmo ano, fiz um curso de escrita dramatúrgica com Celso Taddei. Tudo começou com Parem de Falar Mal da Rotina, da Elisa Lucinda. Ela, na peça, divulgava um curso de poesia falada ministrado na Cia de Teatro Contemporâneo. Quando cheguei lá, não havia mais a poesia falada, mas para não perder a viagem, me inscrevi nesse curso. Éramos eu, Lu Fortunato, Estaine Alencar, Claudia Martelotta e Amanda Taddei. Foi muito gostoso e escrevemos uma cena de 15 minutos mais ou menos, cada um, que teve, como apresentação de final de curso, uma leitura dramática feita por alunos da Cia, dirigidos por Sura Berdichevski e o ator principal era o Charles Paraventi.
Eu achava que estava velho demais para voltar aos palcos. Aí, optei por tentar escrever. Mas escrever requer uma disciplina exagerada. Fiz uma especialização em roteiro na PUC do Rio, com o grande Zé Carvalho. Pensem num professor excelente. Ele dava uma aula que fazia nossos olhos brilharem e me ensinou muito sobre o roteiro e a dramaturgia. Me aprofundei nos conceitos introduzidos pelo Celso Taddei. Mas era isso. Eu não tenho disciplina suficiente para escrever por mim mesmo. A prova disso é a frequência deste Blog.
Mas em 2012 eu encontrei o Brunno Rodrigues. Foi muito por acaso. Eu e o Nelson tínhamos saído do teatro e estávamos jantando no Istambul da Domingos Ferreira. Ou foi num almoço de domingo – a memória me engana. Quando me lembro penso em dia e noite. Fui tantas vezes a esse restaurante. Mas enfim, o fato é que lá estava uma foto do Nelson Rodrigues num cartaz que divulgava o curso de teatro – o ator no drama – com montagem de sete contos adaptados de A Vida Como Ela É.
Foi uma boa experiência, mas eu precisava de mais. O Nelson é safo como ele só e me disse: você não tem mais nada a aprender ali. Seu lugar é com a Casa de Cultura Laura Alvim. De preferência com a Susanna Kruger. É lá que você vai se desenvolver muito.
Dito e feito. Em 2013 comecei na oficina para atores da Susanna Kruger e foi um deslumbramento, uma descoberta, um segundo passo dado com toda a dignidade que ela sabe imprimir à aula. Sempre há alguma coisa boa na cena, mesmo nas piores. E ela tem uma didática excelente para reavivar as bases da postura em cena e dos meandros da atuação.
Com ela, fiz J B de Albuquerque Guimarães, num delicioso Viúva, Porém Honesta de Nelson Rodrigues; tio Gaiev, no Jardim das Cerejeiras do Checkov; uma montagem tipo instalação, baseada no poema O Corvo de Edgar Allan Poe; Hoje, 150 Anos Atrás, uma montagem de 3 peças de Machado de Assis em que fui narrador; Quanto Você Calça, criação coletiva do ano de 2018; Por fim, em 2019, montamos uma versão mais profissionalizada de Quanto Você Calça, que reinaugurou, junto a mais 4 espetáculos, o Espaço Laban Rio e fez parte da Mostra de Teatro de Escola da Escola Wolff Maia. Por fim, fiz também alguns personagens num auto de natal que foi em cartaz no Teatro Laura Alvim para encerramento da oficina de atores de 2019. Sempre muito gratificante e um grande ensinamento. Os alicerces firmados por Susanna estarão sempre me acompanhando no meu caminho teatral. São bases fortíssimas.
Nesse intervalo, tentei fazer a faculdade de teatro da Universidade Estácio, mas era Licenciatura. Eu não tenho o menor talento, nem pretensão de dar aulas. Abandonei.
Mas lá, conheci Ana Luz e fizemos uns trabalhos bem legais. Com eles participei da montagem de Beijo no Asfalto. Esse Aprígio está em mim e precisa sair em uma temporada. Antes de fazer sessenta anos, ainda terei a glória de fazer esse personagem.
Ainda nesse ínterim, tive a grande vitória da minha vida, até aqui. A montagem de Uma História do Zoológico, de Edward Albee, com meu parceiro de todas as horas, Tomás Ribas. Foi um esforço nosso, nosso trabalho e nosso suor. Tivemos as direções de Claudia Martelotta, que fez a falseta de falecer meses depois da estreia. Isso é assunto para outro post. Saudades eternas da nossa diretora querida. Acontece que Tomás estava tendo aulas de interpretação para cinema e vídeo com o Luís D’Mohr. Outro presente divino na minha vida artística. Um cara sensível, inteligente, fino e grande diretor de audiovisual, mas também excelente no teatro. Nos poucos encontros que tivemos, O Zoológico ganhou uma dimensão extra, camadas e matizes impensados. A história de Peter e Jerry só não virou temporada nacional por conta do preço altíssimo cobrado pelos direitos autorais. Mas estamos aí, com essa peça pronta, se alguém quiser patrocinar, tenho certeza de que brilharemos.
E toda essa lenga-lenga é pra falar que, enquanto as salas de espetáculo continuam proibidas, os voos e as viagens de ônibus estão liberadas. Em tempos de Pandemia, há que se questionar. A transmissão viral é realmente muito mais perigosa numa sala de teatro reduzida à metade da lotação, durante uma hora do que num transporte coletivo?
Hoje Tomás me chamou para fazer uma leitura da deliciosa Pode Ser que Seja o Leiteiro Lá Fora, do Caio Fernando de Abreu. É bem sobre nossos dias e as soluções para um possível fim do mundo. 7 personagens muito jovens se escondem num porão de casa abandonada e dialogam sobre seus medos, desejos e frustrações, de maneira lúdica, enquanto há um provável apocalipse do lado de fora. A solução é incrível (e eu não vou dar spoiler, porque quero montar a peça). Enquanto lia, pensava nessa questão: Por que não podemos nos aglomerar em salas de teatro, mas os voos de avião estão permitidos?