A guerra de Canudos, ocorrida no alvorecer da república, e o massacre dos seguidores de Antônio Conselheiro, dá o enredo para o monólogo A Luta.
Os Sertões é um clássico da literatura documental brasileira. Escrito por Euclides da Cunha e publicado em 1902, depois da expedição acompanhada pelo escritor. Pois esse livro trata de três temas imprescindíveis para o entendimento do que hoje é o Brasil. Na primeira parte da obra, a terra, Euclides descreve o relevo, o solo, a fauna, a flora e o clima do Nordeste brasileiro, ressaltando o flagelo da seca, cujos ciclos duravam cerca de 19 anos.
Na segunda parte o autor analisa o homem sertanejo com base nas teorias e filosofias da época, tendo por tônica o determinismo geográfico. Além disso, introduz a personagem central do conflito, o líder da comunidade de Canudos, o fanático e carismático Antônio Conselheiro.
A Luta tem uma interpretação cheia de magnetismo
Chegamos enfim à terceira parte, denominada a luta. Uma narrativa do que foi a guerra para debelar a força conservadora da monarquia, defendida por Conselheiro. Ele liderou milhares de camponeses contra a proclamação da república, considerada obra do diabo. No entanto, o fanatismo milenarista dele levou milhares de sertanejos e sertanejas de diversas idades a um massacre gigantesco. É essa a parte tratada no espetáculo teatral dirigido por Rose Abdallah, com dramaturgia de Ivan Jaf.
O desempenho do ator Amaury Lorenzo é brilhante. Pois o seu trabalho de corpo, voz, cena e descrição, me fez repensar a minha repulsa ao teatro épico. Usualmente gosto mais de teatro cênico, com poucas narrações, mas a atuação de Amaury não é menos que brilhante, hipnótica e cativante.
Reflexões sobre o sertão, o milenarismo, o fanatismo e a origem da república
Antônio Conselheiro foi um líder carismático, opositor da república, a qual considerava invenção demoníaca. Apegado a um sebastianismo extemporâneo, arrastou aquela população miserável e desprovida de amparo, de conhecimento e de esperança a uma aventura de resistência contra o novo poder estabelecido.
Foram necessárias quatro expedições militares para exterminar o arraial de Canudos. Essa é a história contada por Amaury no palco. Teatro como eu mais gosto: palco vazio, figurino neutro, luz adequada e perfeita e, principalmente, sem sonorização. Somente a voz do ator ressoando pela sala de espetáculo, eletrizando a plateia.
A emoção transmitida pelo espetáculo era como uma onda atingindo cada cantinho do Teatro e retornando para o ator. Não sei se o sucesso de público se deve ao desempenho do ator de uma novela global, em que representava um peão jagunço apaixonado por um homossexual assumidíssimo, que teve um estrondoso sucesso, mas não interessa. O fato é que o teatro estava lotado, numa sessão extra, 17h. Ou seja: as duas sessões previamente programadas não deram conta da procura por ingressos.
A resistência da arte teatral
Muito se diz sobre o fenecimento da arte teatral, mas essa arte está presente nas mais variadas formas, culturas e povos desde muitos milênios. Os ritos religiosos primevos, as contações de histórias e lendas, as encenações míticas, tudo é forma teatral e nos atravessa num lugar especial de humanidade. A morte dessa arte já foi decretada pelo aparecimento do cinema, da televisão e agora das novas tecnologias. No entanto, ela resiste.
O espetáculo A Luta é o teatro na forma mais pura: um ator e a plateia, juntos na compreensão e na fruição de um momento artístico transcendental.
Mais sobre arte, entretenimento e cultura clique aqui