Desde meados de março estamos confinados. As primeiras atividades canceladas por gerarem aglomerações foram as artísticas, e dentre elas, o já combalido teatro sofreu um duro golpe. As salas não podem ser abertas, não podemos ensaiar, porque não podemos nos encontrar nem nos tocar, enfim. O tempo é de isolamento.
Mas Dionísio é um deus de resistência. Não é à toa que renasceu depois de calcinado e rebrotou da coxa de Zeus. E a arte de quem é patrono também é resiliente. Afinal, desde que Tespis subiu numa mesa e disse Eu Sou O Deus, há quase 3 mil anos, o Teatro vem se reinventando, se transformando e sobrevivendo.
Ontem foi a primeira vez que vi uma manifestação teatral pela internet. É feita ao vivo, ainda está tateando em termos técnicos, precisamos de ainda compreender algumas regrinhas de convivência para dar certo, mas é o caminho que se apresenta.
Pelo que eu entendi, o Armazém Cia Teatro organizou de modo a vender ingressos e se apresentar pela ferramenta de videoconferência Zoom, com cada ator em sua casa. Cada um com sua provedora de internet, a velocidade de transmissão de dados variável e a plateia ainda sem saber muito bem como se comportar, embora tenhamos ficado vendo as instruções por cerca de 20 minutos.
Assim como numa sala, é necessário o silêncio. Também é bom apagar as luzes, no caso traduzidas por câmeras de vídeo. Mas pareceu que a plateia estava meio indecisa como fazer isso. Também havia comentários durante a apresentação, feitos pela plateia. Não sei quanto aos outros, mas isso me incomoda profundamente. Se essa pessoa estivesse no teatro, se levantaria e diria o que pensa? Mas como está por trás de um computador e a mensagem é escrita, talvez ela creia que não incomoda, mas saibam, queridos e queridas, incomoda demais aquele pop up aparecendo no meio de uma cena.
A dinâmica escolhida pela Cia que está em temporada é a disputa de monólogos. São 9 atores, dos quais um é retirado logo na apresentação, por meio de votação pública. Depois as batalhas se desenrolam de dois a dois. É uma competição?
Todos os atores estão excelentes em seus monólogos, mas a câmera só pega em close, É como se estivéssemos olhando pela janela, um postigo, uma escotilha. Escotilha é, para mim, talvez a mais apropriada metáfora: estamos nos afogando na pandemia e no isolamento, mas há uma escotilha pela qual podemos ver o novo normal.
É um vislumbre de cena.
Ainda não dá para ser definitivo com relação ao “gosto/não gosto” É muito incipiente, estamos desbravando veredas, então, essa coragem supera qualquer outra crítica que eventualmente possa aparecer. Ao fim, só penso que Dionísio, nesses tempos, vai imperar mais que Apolo: primeiro a desordem da criação; ainda demoraremos a colocar ordem nessa bagunça criativa.
2 respostas
Penso igual. Acredito que encontraremos uma bela saída para a situação que você coloca.
Amei, Cris! Tu é maravilhoso. 🤍