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Lá pelos meados da primeira década deste século tive contato com uma pessoa admirável. A história é a seguinte: eu era recém formado em direito por uma faculdade particular noturna. Já não tenho muito talento para a coisa, e o curso deixava muito a desejar, então não compreendia (ainda não compreendo bem) muita coisa dos meandros processuais. Mesmo assim, já concursado no TRF da 1º Região, fui parar no gabinete de um desembargador federal bem bacana.

Logo depois que eu comecei a trabalhar lá, ele convidou um rapaz que era aluno dele na UnB para fazer parte da equipe. O garoto tinha passado no concurso do MPU antes de fazer 18 anos e quase perde o cargo porque foi nomeado acho que uma semana depois de ser maior de idade, ainda nem tinha se graduado e dava um banho na gente de conhecimento jurídico. Às vezes fazia até mal para nossa autoestima.

A relação com ele era muito fácil, porque era um garoto daqueles brilhantes, mas que não era o tipo nerd. Gostava de balada, ia a show de axé, curtia a vida. Mas notávamos que ele tinha talento e vocação para as lides jurídicas. E ele vivia dizendo que assim que cumprisse o interregno de 3 anos da atividade típica de bacharel em direito, faria concurso para juiz federal. Insistia nisso e eu insistia no contrário.

Dizia sempre a ele: Ademar, concurso é pra quem sabe só marcar x. Para ser magistrado, não precisa de um imenso saber jurídico, bastando decorar um programa (vasto, por certo, mas nem por isso complicadíssimo). Você tem talento, tem vocação. Juiz fica limitado ao salário (bom, sem dúvida, mas salário) e, para ficar verdadeiramente rico, é preciso partir para o lado mais obscuro. Quando se formar, abra um escritório, ou se associe a algum bom.

Eu sabia que grandes escritórios não deixariam passar uma pérola daquelas. Ele nasceu para formular teses jurídicas que debateremos no futuro. O tempo provou que eu tinha razão.

Apresento a vocês agora, o excelente artigo que meu amigo escreveu n’O Globo de hoje:

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-cala-boca-judicial.html

Aqui, para quem não é assinante:

O ‘cala a boca’ judicial

11/02/2021 • 00:00

Por Ademar Borges

Nos últimos anos, uma nova modalidade de ataque à liberdade de imprensa tem se tornado cada vez mais comum: jornalistas passaram a ser alvos do ajuizamento de um número elevado de ações judiciais de indenização por grupos organizados de pessoas que se sentem criticadas ou ofendidas por matérias ou opiniões dos profissionais de imprensa.

O objetivo desse tipo de ação coordenada é conhecido. Com a distribuição de um grande número de ações judiciais em várias partes do país, busca-se causar ao jornalista transtornos e prejuízos econômicos que decorrem da necessidade de se defender simultaneamente em tantas demandas. A orquestração desse tipo de “metralhadora judicial” revela uma insidiosa estratégia para intimidar ou até mesmo inviabilizar a livre atividade jornalística e o exercício da liberdade de imprensa. O que se quer, em última análise, é calar a imprensa.

Esse tipo de esforço coletivo para processar o jornalista revela aquilo que, na linguagem jurídica, se conhece como “abuso de direito de demandar”. Toda pessoa tem a prerrogativa de acionar o Poder Judiciário para buscar a tutela de seus direitos. Mas, a despeito da sua inegável importância para o ordenamento constitucional das democracias, não há dúvidas de que o direito de ação não é absoluto e se sujeita a limites. Um desses limites está precisamente na necessidade de garantir que o acesso ao Judiciário não seja transformado em arma contra as liberdades de expressão e de imprensa.

A ideia de que o direito de ação também pode se mostrar abusivo e contrário a sua própria finalidade constitucional não é nova. Há exemplos aqui e em outros quadrantes do emprego dessa categoria para impedir que o livre acesso ao Judiciário seja instrumentalizado para fins ilícitos. Um dos mais importantes é a proibição da prática do sham litigation, importada do direito concorrencial norte-americano, que ocorre quando determinado agente econômico propõe múltiplas ações judiciais contra um concorrente, não com o intuito de fazer valer sua pretensão, mas sim para comprometer a capacidade do adversário de competir com ele no mercado.

Nessa linha, também se pode mencionar a decisão da ministra Rosa Weber que suspendeu ações movidas por juízes do Paraná contra jornalistas daquele estado, diante de fortes indícios de que tais magistrados estariam se utilizando abusivamente do seu direito de ação, visando a desestimular a publicação de matérias que lhes eram desfavoráveis.

O STF tem produzido, ao longo dos últimos anos, notável jurisprudência em favor da liberdade de expressão e de imprensa. Mas as ameaças não param de surgir. Ao permitir que jornalistas e veículos de imprensa sejam submetidos a uma avalanche de ações judiciais com objetivo claramente intimidatório, o Judiciário abre espaço a um tipo perigoso de censura velada. É preciso fechar essa fresta pela qual o autoritarismo ensaia passar. Isso depende do reconhecimento de que a Constituição vigente não tolera tal tipo de uso fraudulento do Poder Judiciário como mordaça ao jornalismo robusto e livre. A decisão da ministra Rosa Weber, do ano de 2016, é o melhor exemplo de como o STF deve atuar para paralisar a conduta abusiva dos autores das múltiplas ações judiciais e, com isso, evitar os gravíssimos danos à liberdade de imprensa que dela pudessem resultar.

*Professsor de Direito Constitucional

Antes de publicar aqui, pedi permissão ao autor.

2 respostas

  1. Só faltou ele mencionar que esses processos são movidos contra blogs e jornalistas “ditos” de esquerda.

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