Estou em Goiânia há quatro dias. Vim por causa do aniversário de meu pai, que está internado em função de um câncer metastático e cujas possibilidades de cura são mínimas. Bem, já eram mínimas quando cheguei, na sexta, mas no domingo, decresceram consideravelmente. Os médicos não sabem nada do que está acontecendo e, como sói ocorrer nessas situações, dão prognósticos vagos, qual profetas econômicos de primeira linha. Embora meu pai estivesse internado havia quase quinze dias no mesmo hospital, em que dera entrada para exames pré-operatórios (não sei se a reforma alterou esta grafia), ele foi para a UTI anteontem sem um diagnóstico preciso, mas com três opções, todas péssimas.
Comecei assim porque é o que mais me engasga no momento, mas eu quero dizer mesmo é que o preconceito contra os meus conterrâneos não é tão gratuito assim. Haja vista o discurso do senador representante do Estado em sua defesa da extinção das cotas raciais nas universidades brasileiras. Eu mesmo não tenho opinião formada a respeito do assunto, por demais complexo para o meu entendimento e deveras irrelevante para a minha vida. Já frequentei universidade pública e particular e sei que a presença de negros nesse ambiente ainda é rara, mas desconheço as causas dessa ausência.
Mas eu não sou Senador, não tenho cargo público e minha opinião é lida, eventualmente pela multidão de umas trinta pessoas. Estou muito distante do que se considera um formador. Eu até poderia dizer insanidades aqui, mas tento abster-me.
O Demóstenes, distante de seu xará grego, é orador de recursos limitados, ou não lançaria tais impropérios contra a raça negra, especialmente afirmando que não teria havido estupros durante o período escravagista brasileiro, mas que as mulheres concordavam em manter relações sexuais com seus algozes.
Talvez fosse pedagógico para o senador passar um período de dois ou três anos trancafiado em um presídio nacional, onde seria uma minoria oprimida, com certeza, para saber o que significa o consentimento do oprimido em casos de violência sexual.
Mas enfim, para não repercutir muito o tal senador, mas divulgar o que interessa, transcrevo a carta de repúdio, recebida por e-mail de uma grande amiga e fiel leitora:
Manifesto de protesto das mulheres negras brasileiras.
Mulheres Negras repudiam senador
Por: Redação – Fonte: Afropress – 7/3/2010
Brasília – A indignação das mulheres negras diante do discurso do senador Demóstenes Torres (DEM-Goiás), que disse que os estupros praticados durante o escravismo eram consensuais e responsabilizou os negros pela própria escravidão, tomou forma por meio de uma Carta de Repúdio, entregue na sexta-feira (05/03) na Corregedoria do Senado e no gabinete do próprio senador.
Segundo Ana José Lopes, do Fórum Nacional de Mulheres Negras, a carta expressa a posição de militantes e ativistas presentes à Audiência Pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal para discutir a adoção de cotas e ações afirmativas.
Paralelamente a coordenação do Movimento Negro Unificado (MNU) no Distrito Federal, segundo a jornalista Jacira Silva, pretende acionar o senador goiano judicialmente.
Veja, na íntegra a Carta de Repúdio das Mulheres Negras
Carta de Repúdio
Nós, Conselheiras e Conselheiros do Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR vimos através desta, repudiar a opinião expressada pelo excelentíssimo senador da república sr. Demóstenes Torres, Presidente da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado Federal, no seu pronunciamento durante a Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF), no dia 03 de Março de 2010, que analisava o recurso instituído pelo Partido Democratas contra as Cotas para Negros na Universidade de Brasília.
Na oportunidade o mesmo afirmou que: as mulheres negras não foram vítimas dos abusos sexuais, dos estupros cometidos pelos Senhores de Escravos e, que houve sim consentimento por parte destas mulheres. Na sua opinião: Tudo era consensual!. O excelentíssimo senador da república Demóstenes Torres, continua sua fala descartando a possibilidade da violência física e sexual vivida por negras africanas neste período supracitado. Relembra-nos a frase: Estupra, mas não mata!!!.
O excelentíssimo senador Demóstenes aprofunda mais ainda seu discurso machista e racista, quando afirma que as mulheres negras usam de um discurso vitimizado ao afirmarem que são as vítimas diretas dos maus tratos e discriminações no que se refere ao atendimento destas na saúde pública. Que as pesquisas apresentadas para justificar a necessidade de políticas públicas específicas, são duvidosas e que nem sempre são confiáveis, pois podem ser burladas e conter números falsos.
Enquanto o estado brasileiro reconhece a situação de violência física e sexual sofrida pelas mulheres brasileiras, criando mecanismos de proteção como a Lei Maria da Penha, quando neste ano comemoramos 100 anos do Dia Internacional da Mulher, o excelentíssimo senador, vem na contramão da história e dos fatos expressando o mais refinado preconceito, machismo e racismo incrustado na sociedade brasileira.
Por isso, vimos através desta carta ao Povo Brasileiro repudiar a atitude do excelentíssimo senador Demóstenes Torres.
Ao tempo em que resgatamos a dignidade das mulheres negras e indígenas, que durante a formação desta grande nação, foram SIM abusadas, foram SIM estupradas, foram SIM torturadas, foram SIM violentadas em seu físico e sua dignidade. Aos filhos dos seus algozes, o leite do seu peito, aos seus filhos, o chicote. Não nos curvaremos ao discurso machista e racista do Senador! É inaceitável, que o pensamento dos Senhores de Engenho se expresse em atitudes no Parlamento Brasileiro.
Brasília, 05 de Março de 2010.
Força, amigo. Espero que seu pai sofra o mínimo possível. Rezarei por ele.
Muito obrigada por publicar o manifesto.
Bjos