Eu não sei e jamais soube manter um diário. Primeiro porque minha vida é muito rotineira e poucas coisas são dignas de registro. Acordo, vou à academia, volto, estudo ou leio um pouco, tomo banho e vou para o trabalho. Meu trabalho é absolutamente maçante e totalmente indigno de nota. Ao final do expediente, sigo para o meu segundo turno, usualmente constituído de aulas de interpretação teatral ou ensaios, quando há algum projeto em curso. Nestes até poderia haver alguma coisa a ser anotada, mas jamais publicaria.
Por isso não fiz diário do isolamento social. Escrever uma crônica diária sobre a rotina de ficar em casa é definitivamente o fim do mundo em termos de aborrecimento e chateação do planeta. Só perde para as infindáveis transmissões ao vivo.
Mas hoje houve algo digno de nota. Acordei de um sonho tão bom, tão lindo, Nele, eu e uma grande amiga éramos elenco de um musical. O sonho se circunscreveu ao ensaio geral de uma cena em que nós dois, eu e Denise Moraes, sentados um diante do outro, fazíamos um dueto da canção Beatriz do Chico Buarque. No momento do sonho, eu conseguia atingir a agudíssima nota do verso “Se ela dança no sétimo céu” e nos olhávamos enternecidos e surpresos. No sonho, era a primeira vez que eu conseguia atingir a nota com perfeição. E sabemos que a palavra céu está na nota mais alta dessa canção. Trocamos aquele olhar cúmplice de quem está em cena e reconhece a realização única do parceiro. Meus olhos se encheram de lágrimas e tocamos as mãos delicadamente.
Foi lindo.
Acordei e entrei em contato imediatamente com Denise, para contar e ela me respondeu que também havia sonhado que cantávamos também. Só que no sonho dela, ela me acompanhava ao piano e era num concerto. A performance era de Uma Furtiva Lacrima. Ficamos tão emocionados com essa coincidência.
A maravilha do mundo onírico é essa: ela é musicista, mas o instrumento dela é a trompa. Eu sou ator, estou longe de ser cantor, mas em nossos sonhos, estávamos irmanados na arte. Tudo muito lindo e emocionante.
Talvez o isolamento social nos esteja afetando a todos, mas essa coincidência foi tão feliz. Nos iluminou os tempos sombrios que vivemos.
2 respostas
dois comentários
1) o primeiro parágrafo contém equívocos que você poderia rever, tendo em vista que escreve muito bem. Como uma vida de rotinas não pode produzir bom texto? Uma crônica necessariamente não precisa ser fiel aos fatos da nossa vida ordinária! ou você tem a ilusão de que os bons cronistas tem uma vida extraordinária?
2) você canta bem. Deveria estudar e cantar lindamente pra nós.
Adorei essa comunicação onírica. Me lembrou um conto do Garcia Marquez, Olhos de Cão Azul.