Longa inspirado no monumental romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, estreou nos cinemas do Brasil, já premiado no exterior.
Transcrever o romance épico de Guimarães Rosa, talvez um dos mais importantes do século XX na literatura brasileira, para a linguagem do audiovisual é uma tarefa hercúlea. Guel Arraes se desincumbiu dela com galhardia. A linguagem do romance é tida por enigmática, mas para quem, como eu, cresceu no interior de Goiás, é, literalmente, feijão com arroz. A minha edição do romance, que já cruzei 4 vezes, é de 1984, da editora Nova Fronteira.
Nela, na pág. 217, encontramos a seguinte fala sobre o amor: “Hoje, eu penso, o senhor sabe: acho que o sentir da gente volteia, mas em certos modos, rodando em si mas por regras. O prazer muito vira medo, o medo vai vira ódio, o ódio vira esses desesperos? – Desespero é bom que vire a maior tristeza constante então para o um amor – quanta saudades… -; aí, outra esperança já vem… Mas, a brasinha de tudo é só mesmo carvão só. Invenção minha que tiro por tino. Ah, o que eu prezava ter era essa instrução do senhor, que dá rumo para se estudar dessas matérias…”
Este é um dos momentos memoráveis da narrativa das batalhas entre os grupos de Joca Ramiro, Zé Bebelo e Hermógenes. Riobaldo, o narrador, tem um amor e este amor o corrói, porque não o compreende até o final do romance. As guerras, a violência, a matança dos grupos de jagunços que cruzaram o sertão deste Brasil na primeira metade do Século XX dão a cor épica à história da vida desse ex-jagunço, agora apaziguado e vivendo em uma fazenda.
Adaptação para as telonas
Na transcrição, a violência das guerras de jagunços foi transportada para um futuro distópico, na favela Sertão, dominada pelo grupo de Joca Ramiro, papel de Rodrigo Lombardi, o dono do tráfico de cocaína da comunidade. Como no romance, um de seus acólitos é Hermógenes, magistralmente interpretado por Eduardo Sterblich. O pontapé para a chegada de Riobaldo ao drama é a invasão da comunidade por um grupo de policiais e a troca de tiros com Hermógenes.
Nessa troca de tiros, uma das alunas de Riobaldo é morta por uma das balas, disparada pelos policiais. Caio Blat está irretocável no papel do narrador e tem momentos arrepiantes. Este é um. Diante de Otacília, mãe da menina morta e papel da diva Mariana Nunes, ele fica estarrecido. O diálogo entre eles é um primor.
Paralelo entre o jaguncismo e as facções contemporâneas
Para Guel Arraes, pelo que se pode depreender das cenas, a violência urbana é correspondente ao jaguncismo da primeira metade do século passado. Isso porque, embora modernize o palavreado durante a ação, transpõe as escaramuças entre os grupos rivais no romance para a luta entre o tráfico e a lei no filme. Zé Bebelo, que no romance queria ser eleito deputado, no filme é um coronel da polícia também com aspirações políticas. Luís Miranda brilha demais no papel.
Tudo está relacionado, porque a realidade contemporânea nos coloca frente a frente com milícias e o Poder instituído, especialmente em estados como o Rio de Janeiro, onde o crime estende seus tentáculos em vários níveis das relações urbanas. Pois segundo uma estatística, mais da metade do território carioca está dominado pelo crime organizado, infiltrado em diversas instâncias do poder. No tempo em que Rosa escreveu o romance, o coronelismo dominava o Brasil e ele também permeava o poder institucional.
Mas da violência, brota o amor
Não obstante toda essa violência, acompanhamos o amor intenso de Riobaldo por Diadorim. No romance, eles se conhecem porque Riobaldo queria atravessar o rio São Francisco e Diadorim estava no barco. “Carece de ter medo, mas também de ter coragem”. O filme nos mostra Diadorim escalando uma torre para pichar o símbolo de Joca Ramiro no alto e, nesse desafio, Riobaldo o segue, momento em que o amor nasce no coração do menino.
O reencontro é na forma trágica, mas emocionante e, por conta desse reencontro, Riobaldo é tragado para dentro do bando de Joca Ramiro. Os segredos, reviravoltas e revelações são muito bem urdidas pelo diretor e pelo roteirista. Mas não conto mais nada, porque é um filme de se assistir no cinema.
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