Ainda Estou Aqui mostra a comovente história de Eunice Paiva, a viúva do deputado raptado e morto pelos agentes da ditadura cívico-militar que assolou o Brasil por 21 anos.
Oficialmente, 21 anos, mas na minha opinião, 24 anos e alguns meses, porque somente a promulgação da Constituição Federal de 1988, a 5 de outubro, inaugura a nova ordem institucional. Rubens Beirodt Paiva foi um deputado federal cassado em 1964, no alvorecer desse período tenebroso da história brasileira. Marcelo, filho de Rubens, nos relata a história da família, tendo como heroína Eunice Paiva, a mãe onipresente e pouco convencional.
Os primeiros capítulos narram a história de Eunice e Rubens, de como as famílias se conheceram, de como se casaram e de como ela fazia bem o papel de esposa de um casal pequeno burguês. Cozinhava, costurava, cuidava das quatro filhas e do filho (o penúltimo da prole, narrador do romance). Eunice era descendente de italianos, mas ao contrário do estereótipo, vivia uma vida discreta, não era dada a grande excessos.
O rapto pela ditadura
No dia 20 de janeiro de 1971, a repressão interceptou ilegalmente cartas direcionadas a ele. Como havia o número do telefone, obrigaram a pessoa que trazia a correspondência a ligar. Foi assim que descobriram o endereço do ex-deputado. Rubens já estava fora da vida política e tocava a vida na área da engenharia desde a cassação, mas como o Brasil de então era pequeno e todos se conheciam.
Por causa disso, Rubens ainda mantinha contato e dava discreto apoio a pessoas forçadas a viverem na clandestinidade. Embora fosse contrário à luta armada, mantinha amigos do lado da oposição, pois foi sempre um boa praça.
Eunice, a heroína, era uma mulher inteligentíssima, lia muito, falava inglês e francês fluentemente. Com o desaparecimento do marido e a farsa montada pelos milicos, ficou refém de uma falácia jurídica. Para os canais oficiais, Rubens havia fugido em uma desastrada operação. A revelação da farsa só ocorreu muitos anos depois, com as confissões dos envolvidos. Rubens morreu durante uma sessão cruel de tortura, entre os dias 21 e 22 de janeiro de 1971.
Ainda Estou Aqui é um livro necessário
O romance descreve dessa vergonhosa página da história do Brasil. Esse momento em que autoridades estadunidenses, empresários e donos de veículos de comunicação nacionais também estão com as mãos sujas do sangue de gente inocente. Marcelo descreve com requinte de detalhes as agruras passadas pela família.
Eunice, ao final, desenvolve Alzheimer e vai perdendo a lucidez. Também é triste ver a descrição desses momentos. Essa mulher que outrora tinha riso fácil, tinha bom humor e que atravessou momentos difíceis com galhardia e elegância, se reinventou no papel de uma das maiores advogadas de direitos humanos, não se deixou abater, vai aos poucos perdendo a lucidez. Essa doença degenerativa é crudelíssima, especialmente com a família.
Para minha surpresa, no final do romance, Marcelo traz o recebimento da denúncia contra os algozes de seu pai. Eu ainda trabalho na 4ª Vara Federal Criminal e, à época, era um dos assessores do juiz que assina a peça.
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