Art. 149 do Código Penal e a Escravidão no Século XXI

Para surpresa de ninguém, vinícolas do Rio Grande do Sul, na região de Bento Gonçalves, reduziam pessoas a condições análogas à escravidão.

abolição da escravidão

A história da humanidade considerou, desde sempre, que parte das pessoas deve servir outra parte. Sabemos que essa ideia é antiqüíssima, pois está presente em várias das culturas que consideramos como fundantes dos povos contemporâneos. Essa noção começou a mudar com o advento do Cristo. Quer ele tenha existido de fato, quer os relatos sobre ele sejam ficção bem elaborada, a noção de que todos os seres humanos são iguais apareceu aí. Isso tem apenas 2 mil anos.

Igualdade como novidade

Mesmo assim, com a ascensão do cristianismo a religião oficial do Império Romano, tanto do oriente quanto do ocidente, essa noção e igualdade voltou a ser abandonada. Isto porque, como se pode observar, com a queda do Império Romano do Ocidente, o feudalismo trouxe ainda mais opressão. As palavras servo, fâmulo substituíram a expressão escravo. Todavia, mantiveram conteúdo opressor na relação laboral.

Com o advento das circum-navegações, e a invasão dos territórios que mais tarde formariam o grande continente americano, coincidindo um pouco com o iluminismo, a noção de igualdade entre os homens voltou a entrar na pauta dos filósofos europeus. Talvez (não tenho informação certa com relação a isso) por conta do contato com culturas ameríndias, menos estratificadas.

Coincide com isso a escravização em massa de populações africanas, para serem mão-de-obra necessária à colonização do continente recém invadido. Também coincide com isso a noção de que os brancos europeus seriam mais “evoluídos” e o ápice da humanidade.

Descolonização e as novas perspectivas

Vendo com olhos atuais, depois de leitura de Jefferson Tenório, Ana Maria Gonçalves, Itamar Vieira Júnior e Paulina Chiziane, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, dentre outros, somos capazes de analisar esse fenômeno com um filtro diferente.

Não obstante toda essa elaboração histórico-cultural, o Planeta Terra ainda é contaminado pela ideologia escravocrata que, muito embora banida das legislações e não aceita entre os círculos civilizados, permeia o imaginário de todos, e, principalmente, de muitos dos empresários devotos do neoliberalismo.

A classe média considera a empregada uma escrava

Para além disso, está nas cabeças da classe média brasileira, que considera a empregada doméstica uma pessoa menos merecedora de direitos trabalhistas, por serem “da família”. Na verdade, os governos do PT, com duas ações reparatórias importantíssimas: a adoção de cotas para negros nas universidades e a proposição de Emenda Constitucional que estendeu às pessoas que trabalham no ambiente doméstico todas as proteções do Art. 7º da Constituição Federal.

Por conta disso, a classe média brasileira ficou profundamente mexida. Em primeiro lugar, teriam de pagar todos os direitos trabalhistas, elaborar contratos laborais etc. Em segundo, os filhos e as filhas desses trabalhadores poderiam freqüentar as universidades e, conseqüentemente, não necessitariam se submeter às aviltantes condições que a classe média brasileira, de forma geral, costumava dispensar a quem trabalhava para eles.

Mas qual não é a nossa surpresa quando nos deparamos, nesta semana, com a notícia de três grandes produtores de vinho e suco de uva em Bento Gonçalves se utilizavam de mão de obra em situação análoga à de escravos em sua linha de produção.

No Rio de Janeiro e em todas as outras cidades do Brasil, é costume, durante o tête à tête de um jantar conjugal, que o marido se ocupe silenciosamente dos seus interesses e a mulher se distrair com os seus negrinhos, que substituem a raça dos cachorrinhos “Carlins”, quase extinta na Europa.

Como a legislação vê a sociedade escravocrata

O art. 149 do Código Penal, que estabelece pena para quem submete trabalhadores a condição análoga à de escravo, abrange a conduta perpetrada pela vinícola. Era o caso, pois além de não obedecerem aos poucos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho que restaram depois da reforma trabalhista, as vinícolas ainda submetiam os trabalhadores a castigos físicos.

Estamos há mais de 100 anos da abolição da escravidão pela Lei Áurea, todavia, os produtores, a burguesia, as elites ainda se sentem senhores escravocratas em pleno séc. XXI.

Em tempo: após a repercussão do caso, um vereador de Bento Gonçalves fez uma fala absolutamente execrável, cruel, descabida e afrontosa na câmara de vereadores, levando o Republicanos, um dos mais retrógrados da extrema direita, à expulsão do edil.

A humanidade tem de se repensar.

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