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LITERATURA

Sejamos antirracistas

Hoje o texto não é meu. É do Anderson França, esse cara foda que tem escrito na Folha de São Paulo e no Metrópolis.

Ah, essa esquerda branca, ciranda e joven.

Essa semana eu fiz UMA frase simples, e teve gente chorando feito criança.
Escrevi no meu perfil:

Sujeito que se diz de esquerda no Brasil e não tem uma TV ligada na sala, não vê uma novela ou jornal, é um arrogante elitista que se desconectou do povo brasileiro.
A esquerda se perdeu do Brasil quando desligou a TV.

Descobri que tenho três públicos totalmente distintos.
No meu perfil, esse, com as letras “AF”, o perfil pessoal, as pessoas que estão nele são moradoras de favelas e subúrbios, da Baixada e periferias.
Mais velhas, e muito realistas e críticas das utopias burguesas e brancas da esquerda universitária, feminista. Aqui, uma frase faz o sentido que tem de fazer. Gente com dívida, com nome no SPC, gente que já virou a esquina, se iludiu, se decepcionou. Gente que eu gosto, porque é gente que ri de si mesma.

Como são insuportáveis os que se pensam essenciais pro mundo, e não riem de si mesmos. Condenam o outro por falar ‘viado’, não conseguem dar rumo às suas vidas vazias e carentes de algum sentido. Crianças que tem um RG. Não fizeram nada ainda da vida. Não construíram um projeto, não fizeram nada num morro, nada coletivo. Só criticam. E se pensam essenciais.
Já na página pública, são pessoas do Brasil inteiro, e uma boa parte que sequer sabe de onde eu vim.
Mas é no Instagram que vemos o maior número de desavisados deslumbrados e utópicos que critico há anos, desde que morava no morro. Alguns nem sabem que morei lá.
De modo que um mesmo post pode soar de 3 formas diferentes, a depender de onde é lido.

E isso atesta que as redes são mesmo um lugar difícil de se firmar, sem usar técnicas de cultura de massa. Exemplo: todo mundo sabe o que Anitta diz. Mas ela teve uma estratégia. Eu, nem paciência tenho. Às vezes eu deixo você pensando uma coisa sobre mim e puxo teu tapete, só pela diversão.

Mas mostra como a esquerda é frágil. Semana passada, falamos de como há feministas brancas frágeis. Inclusive, elas voltaram nesse post. A branquitude é frágil, vacilante, doente e de pouca capacidade cognitiva. Eu tenho pena. Sem nenhuma arrogância, eu tenho é pena mesmo.

Deve ser difícil ser um branco nesses tempos, em que estátuas caem.

Mas foi mais difícil ser um negro, em todos os outros tempos, e ainda neste.

A esquerda brasileira é acadêmica. Burguesa, branca e acadêmica. Eu entrava nas casas e “colivings” dessas pessoas. Muita planta, muita. Uns quadro inacabado, no chão. Uns sofá véio. Muita maconha. TV, nenhuma. O referencial ali era o devir. NÃO CONFIE NUMA PESSOA QUE MORA NUMA CASA QUE NÃO TEM UM PRESTOBARBA.

E bagulho de raspar barba e raspar debaixo do braço dá conflito ideológico. Coisas que tu não vai achar numa república de jovens de esquerda:

-TV
-Prestobarba
-Veja Multiuso
-Queijo branco
-Eletricidade
-Rumo na vida

A falta de todas essas coisas, poeticamente disfarçadas com um lençol multicolorido e cheirando a mofo, usado para performances nos saraus contra o capitalismo e o patriarcado, com Marx e pela Polifamília.

E tomale planta. Planta, pão duro, café ralo. Ninguém limpa o pé. Então o povo é jovenzinho, bonitinho pra caramba, cheio do brilho nos olhos, mas um pé que é uma carniça, uma caraca, uma dermatite, uma crosta de asfalto, que só sai com martelo e chave de fenda.

Não, não tenho mais idade, e
Quando tive,
também não tinha idade.

Desde cedo queria um carnê das Casas Bahia. E quando consegui já tinha 37 anos. Comprei um sofá-cama, uma TV, uma máquina de lavar de 6 kilos.

Vitória na vida foi ser aprovado nas Casas Bahia. Queria meu cantinho, no Morro dos 18, na Zona Norte do Rio, e tive. Barraco pequeno, humilde, mas tudo limpinho, parede pintada, chão limpo, Veja Multiuso na cozinha, tinha esponja, detergente, água sanitária. Esfregava bem o vaso pra não ficar encardido de merda. Todos os interruptores funcionavam.

E via jornal, novela. Escrevi muito nesse Facebook, nesse lugar.

A esquerda tá fudida. Se perdeu.
Condena que o sonho de muita gente, jovem ou adulta, é ter um salário digno, pra fazer um crediário, comprar coisas, consumir, ter seu cafôfo, final de semana fazer uma macarronese, chamar os amigo, comer, beber cerveja, fritar sardinha. E a vida ser só isso mesmo. A vida não precisa ser mais que isso não. Quem disse? Teu professor no IFCS? Vai pro caralho, tu e ele. Os escritor acadêmico de rede social? Fuça a vida de todos eles, fora da internet, pra tu ver se não acha uma conta corrente com mamãe e papai bancando as aventuras dos militantes.

Você, esquerda jove, condena TV. Mas sua mãe, sua vó, sua irmã mais velha, vê.
Você ainda não foi pro psicólogo descobrir que isso que você chama luta, na psicologia
chama fase.

Aí vieram, no Instagram, emocionadíssimos, me bater. Teve um que disse que eu tava sendo fiscal da esquerda.

Amor,
se a esquerda tivesse fiscal, nem o PSOL tinha aberto. Você nem rede social tinha, só a diretoria ia escrever. Que falta faz um fiscal da esquerda.

A outra lá, ecofeminista, vegana abolicionista e PERFECCIONISTA. Eu não estou inventando isso, isso é desse modelo, teve gente que clicou lá e viu.

Isso aí tem jeito? Vai ter vacina pra Covid e não vai ter cura pra um diabo desse.

Cês acham que o jovem tem que sair pra rua protestar, e condenam quando ele arruma uma moto e vai trabalhar no mototaxi. Jovem tem que ir pra protesto gritar Marielle Vive, mas não pode abrir uma barraca de Açaí.

Já eu, tantos anos de educação pra jovens que queriam ganhar algum dinheiro e se recusavam a se admitir inúteis e desempregados, vi que a luta de muitos jovens negros e pobres era levar meio quilo de carne moída pra casa, e jantar, com Coca Cola, ele, e sua família.

Uns fazem faculdade de filosofia. Ganham o aplauso.
Outros, fazem administração de empresas e almejam ser gerentes do Guanabara.

O mal de vocês é desprezar o sonho dos mais simples. Nem todo mundo quer revolução, política, representatividade. Às vezes a pessoa só quer um dia tranquilo, com sol, areia, praia, biscoito Fofura. E sem ser condenada por seus sonhos serem esses. Sonhos que Marielle não condenava, muito pelo contrário.

Mas vocês condenam esse jovem. E se ele for evangélico, pior ainda.
Então vem a direita, e abraça. Abraça ele, como ele é. Vem a igreja, e abraça.
E eles são classe trabalhadora. Mais trabalhadora que você. Na verdade, você esquerda ciranda, de repente nem trabalhadora é. Só universiotária mesmo, com algum patrocínio paterno.

Cês merecem ser pisados pelo nojento do Kim, do Holiday. Nojento pisa nojento.

Alopraram quando tinham liberdade e normalidade democrática. Pintaram o cabelo de rosa, meteram uns bagulho de ferro na boca, nariz, no peito. Gritaram, quebraram imagem, enfiaram a santa no toba. Usaram x, cagaram regra, bateram em todo mundo. E a mãe de vocês largou um 17, pra vocês não esquecer que quem manda é ela.

E a classe trabalhadora, coisa que vocês não são, e nunca serão.
Vão ficar cristalizados, velhos, se pintando, se tatuando, sempre tendo utopias deprimentes, sozinhos, cheios de amarguras, angústias, depressões. Relacionamentos fudidos, sempre começando e terminando, mais terminando que começando. Sarjeta das relações, um cachorro comendo seu fiofó e outro mijando em sua boca.

Qualquer mínima conquista de um trabalhador, que comprou um terreno em Inhoaíba e começou a construir um barraco, vai ser lixo pra vocês. Aí ele, que ouve sua pilhéria sempre calado, vai lá na urna e soca um 17 no meio de seu rabo peludo cheio de badalhoca.

Vai morrer dizendo: não me Khalo. Se Frida, que amava um luxo, visse tu usando o nome dela, davale tanto tapa em sua cara, que tu nem pra aula mais ia.

Faltou pai e mãe dando limite. E os partidos se valem da ingenuidade de vocês.

O pobre vê Jornal Nacional pra ouvir sobre o Brasil. Mas ele só entende o Brasil quando vê a novela. E não, não ouvi isso, eu trabalhei nisso, e vi outras pessoas, de diversas origens, burguesas, faveladas, brancas e pretas, trabalhando na teledramaturgia, e felizmente ou infelizmente, assim que é.

O brasileiro pobre precisa de parábolas. O que Jesus fazia era contar uma história.
Ter paciência. Educação popular. Conhecimento que chegava na periferia. Pode xingar filha da puta, pode mandar tomar no cu. Não tem fiscal de palavrão, não. Pode comer bife. Pode chamar a amiga de piranha, se ela roubou teu homem. Tem esse Brasil aí. Você gostando, AUTORIZANDO, ou não, ele tá aí, e vai continuar.

A educação popular convive com tudo isso. Não condena. Ouve. Acolhe. Caminha. Vê TV junto. Vê jornal junto.

Minha vó, semianalfabeta, minha mãe, semianalfabeta, botaram no mundo um escritor. De merda, eu sei, e você sabe. Mas botaram. Na base de TV e Bíblia.

Vocês não respeitam isso. Então, não queiram ser sequer considerados, ou dados ao respeito. Essa esquerda ainda vai perder muita eleição, e talvez todas. O povo vai ter que se organizar sozinho, longe de vocês, por si só.

Comprem um Prestobarba.
E o Jornal Nacional começa às 8:30 da noite.

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