Então a sede da produção do Porta dos Fundos sofreu um atentado. A razão foi um curta-metragem chamado “a primeira tentação”, em que Jesus é apresentado como alguém que está passando por uma transformação e vai aprender que é filho de Deus, e que José era seu pai putativo. A sátira é engraçadinha, longe dos outros vídeos do Porta que são verdadeiramente hilariantes, tal como “A Cura”, “A Última Ceia”, ou, na minha opinião um dos 5 melhores, “Deus da Polinésia”.
Neste curta, Lázaro é um tio chato, José, magistralmente interpretado por Rafael Portugal, é impagável, no papel de marido ciumento da relação de Maria com Deus e o Fábio Porchat faz Lúcifer, na primeira tentação. Jesus está em dúvida com relação à sexualidade, parece inclinado a ser homo e, depois das experiências com Lúcifer no deserto, parece querer assumir. Nos evangelhos nada há sobre a sexualidade de Jesus. A uma, porque os católicos eliminaram toda menção a sexualidade. Paulo diz que a castidade é o estado ideal, mas é melhor casar que arder de luxúria; a adúltera é perdoada por Jesus, que a deixa ir com a simples admoestação “vá e não peques mais”, e estas são as frases mais voltadas à sexualidade trazidas pelo Novo Testamento.
O velho, não. Este está cheio de luxúria, casamentos, incestos, homossexualidade, estupros e outras narrativas extremamente peculiares e violentas. Mas Jesus não diz uma palavra contra quem quer que seja. Adúlteros, bêbados, ladrões, prostitutas e até coletores de impostos estão lá, dentre os seguidores do Nazareno. Os que o acusam, julgam, condenam e sacrificam são os religiosos e o poder político.
Dois mil anos nos separam desses fatos que podem ou não ter sido históricos, não importa. A mensagem , a lição de amor e de altruísmo são mais importantes do que saber se a figura histórica do Jesus é verdadeira ou não. Ser filho de uma virgem com o espírito santo, vagar no deserto, sofrer tentações, morrer e ressuscitar em três dias repetem signos comuns em diversas religiões mesopotâmicas. A luz, a verdade e a vida são designações comuns ao zoroastrismo, à tentativa de um dos faraós do Egito de implantar um monoteísmo, baseado na adoração de Aton, enfim, várias mitologias daquela região dão eco a essa lenda. A verdade é que a mensagem é o importante. E a mensagem é a do AMOR.
E os integralistas parecem não ter aprendido o mais importante da mensagem. Irritaram-se porque Jesus é retratado como se fosse gay. A masculinidade frágil dos fascistas chega a ser engraçada. São um bando de mariconas enrustidas, de gente que não goza e não quer que ninguém mais goze, e, por isso, tentam histericamente calar a felicidade.
O meu consolo é que a arte é uma força poderosa. Ela sobrevive aos acessos de ditaduras e regimes totalitários, critica, muda, transforma, registra e nos dá a dimensão da humanidade em nós.
Como dizia Manuel de Barros: Eles passarão. Eu passarinho.
P. S.: Minha amiga Carolina Teixeira veio me corrigir. Eu confundi Manuel de Barros com Mario Quintana. Acontece. Perdão aí, galera. Pelo menos não foi Kafka com Kafta. hahahaha