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LITERATURA

Não sei se já falei isso aqui, provavelmente já, mas meus quase 55 anos me permitem uma repetição qualquer. Tenho experiência em isolamento social. No Candomblé, passamos por períodos que denominamos recolhimentos. O primeiro, o da iniciação, deve durar pelo menos 21 dias, nos quais ficamos realmente isolados, num quarto, com contato com pouquíssimas pessoas, em oração. Não há contato de nenhuma forma com o mundo exterior. A minha iniciação aconteceu em julho de 1997. Depois disso, de sete em sete anos, me recolhi para me dedicar ao sagrado, mas só 14 dias por vez.

Ou seja: tenho muita experiência nisso. Até gosto. Apesar de ser geminiano, gostar de muita gente em volta, galera, público, consigo ficar sozinho com os meus próprios pensamentos. Mas sei que isso pode representar um desafio para muitas pessoas.

Mas a questão mais importante é a seguinte: pessoas morrerão por causa dessa pandemia. 10, 100, mil, qualquer tanto é muito. É ainda mais escroto ouvir as pessoas dizendo que há doenças que matam mais, que acidentes de trânsito matam mais, que a polícia mata mais. Mata. Mata. Mata!

Todos esses fatores podem ser deletérios para a humanidade, mas a falta de compaixão é muito mais severa. Pessoas não são números, não são percentuais de uma estatística. A fria estatística não pode servir de desculpa para matar mais ou menos, mas para zerar os fatores que nos desumanizam.

Por outro lado, dizer apenas que a morte é parte da vida é de uma insensibilidade gigantesca para com quem fica. Não importa a religião ou a falta dela. A saudade do ente querido ou amigo chegado que se foi será sempre dolorida. Alguns credos dão mais conforto que outros. O espiritismo, por exemplo, acredita que a unidade de carbono que somos é habitada por um tipo de energia individual que vem e volta num processo de aprendizado, grosso modo. Para a maioria dos cristãos, estamos todos condenados a um inferno eterno, porque seguir os ditames do velho e do novo testamento sem jamais pecar é absolutamente impossível. Para algumas tradições africanas, o que é corpo se reúne à mãe terra e o que nos anima em forma de espírito volta ao Uno indivisível. Não sei muito sobre as demais religiões, mas o único fato certo em nossa vida é o fim dela.

Tudo bem. O que realmente importa é o que está entre o primeiro e o último suspiro. Irrelevante a crença, a filosofia, os conhecimentos. O que vale é o que fazemos e como interagimos com nossos semelhantes e com o nosso entorno, material e imaterial.

Ouvir empresários ricos reclamando que as consequências econômicas do isolamento social serão mais gravosas do que os efeitos da doença ultrapassa o limite do cinismo e vai ao campo da pura e simples crueldade. Empresários como Justus ou o sujeito dono da rede Madero, pastores, essa gente tem dinheiro guardado para pagar todos os empregados, sem diminuir a fortuna, por pelo menos dois meses. Os bancos têm lucros absolutamente fabulosos, maiores que o orçamento de muitas cidades juntas. Metade desses lucros seriam suficientes para cobrir grande parte das despesas necessárias ao combate dessa pandemia.

Mas novamente os governantes, os ricos, os burgueses, só estão interessados em tampar a própria bunda.

A eles eu só desejo que o vírus também esteja entre a família, para ver se conseguem aprender o sentido da palavra empatia.

2 respostas

  1. Esses dois empresários me dão asco. O do ramo da alimentação é boicotar o restaurante pro resto da vida.

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