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LITERATURA

Outro dia rodou nas redes sociais um vídeo do rapaz que matou a Daniela Perez, há quase 30 anos, apoiando o desgoverno dos bostanaro. Causou espanto, indignação e até comemoração em alguns meios, que diziam ter chegado quem faltava. Na peça, o rapaz afirma que está ali defendendo o Brasil e que é contrário à corrupção. Oras, há um paradoxo óbvio nisso, porque este desgoverno está longe de combater de fato a corrupção.

Não considerando o argumento como obstáculo, tenho as seguintes considerações. Em primeiro lugar o fato de pender sobre a cabeça de alguém a pecha de criminoso e assassino, mesmo muitos anos depois de ter cumprido a pena constitucional e penalmente aplicadas ao caso. Foi considerado culpado pelo júri popular à época, foi preso e cumpriu a pena que devia e, depois, libertado. Pronto. Nada mais há que se considerar. A família da vítima, lógico, tem todo o direito de se sentir indignada, porque nada disso vai trazer a moça de volta, infelizmente, mas o fato é que vivemos sob um ordenamento constitucional que abomina as penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (art. 5º, inc. XLVII, da Constituição Federal).

E isso não é o que vemos quando há um crime de homicídio com repercussão midiática. Não há dúvidas de que, particularmente, nos sintamos indignados e não queiramos mais conviver com alguém que tirou a vida de outrem, mas em termos de sociedade, a coisa muda de figura. Quem já cumpriu a pena tem todo o direito de se reintegrar à sociedade. Evidentemente não somos obrigados a nos tornarmos amigos deles, afinal, não somos obrigados a nada. Mas a execração pública em qualquer aparição é como prolongar a pena já encerrada.

Acontece que a nossa sociedade padece dessa ignorância. No final do século passado, quando cursei as cadeiras de Direito Penal e Direito Processual Penal na AEUDF, aprendi um pouco sobre a evolução da aplicação das penas. Até a revolução industrial, havia todo tipo de pena, aos nossos olhos positivistas e científicos, absurdas. Além da masmorra, havia vários tipos de morte e aplicação de castigos corporais pré e pós morte. Só para ficar num exemplar caso brasileiro, Tiradentes foi enforcado, esquartejado, seus pedaços distribuídos pela cidade e a cabeça exposta na praça central de Vila Rica (atual Ouro Preto). Além disso, a pena passava da pessoa do réu e atingia a família.

Cesare Beccaria e Foucault são os principais filósofos dessa corrente que cuidou da aplicação da pena. Então, o rapaz, Guilherme, já pagou o que tinha de pagar. Adicionar o epíteto o tempo todo só reacende uma ferida, tanto na família que perdeu um ente querido quanto na recuperação e ressocialização do rapaz.

Além do mais, no Brasil, a pena (no mundo das ideias que a informam), tem caráter duplo: ressocialização e prevenção. A prevenção pode ser encarada como prevenção geral e prevenção específica, isto é, a possibilidade da reprimenda impede muitos de cometerem delitos (geral) e o aprisionamento impede, durante aquele período, a reincidência do recluso (específico). A ressocialização é um aspecto mais controverso, todavia. A hipótese é que a pena serviria como caráter reeducativo e ressocializados do indivíduo que rompeu o contrato social. Mas quem se ressocializa nas condições atuais dos presídios brasileiros.

De toda sorte, egresso do sistema prisional, é direito do rapaz ser deixado em paz com relação ao crime cometido e à pena cumprida. Tem, inclusive o dever/direito de ter uma posição política, por mais discordante da minha que isso seja.

Isso dito, passo à segunda parte. Ele fala de coisas com as quais concordamos em termos gerais. O combate à corrupção não é pauta exclusiva da direita ou da esquerda, muito menos das chamadas “pessoas de bem”, ainda mais que, cada vez mais, tais pessoas se comprovam ser muito mais do mal. Mas é isso. Somos todos contra a corrupção. Mas queremos todos presos, e não só alguns dos partidos de esquerda. Os esquemas de corrupção permeiam os meandros das administrações há 520 anos! E durante mais de 500, estiveram nas mãos da direita mais perniciosa! Por que não os perseguimos com tanto furor? Por que gente como FHC ou Collor são absolvidos na mentalidade popular? Collor é hoje senador da república! Cada vez que leio isso, ou vejo alguma matéria dele, sinto-me esbofeteado!

Conclamo todos a uma profunda reflexão a respeito desse discurso de que a direita é que é contra a corrupção e nós, da esquerda, acobertamos tais condutas execráveis. O próprio juizeco marreco de curitiba já disse que a única administração que permitiu a investigação séria dos atos de corrupção foi a do PT. Engulam e entubem isso. Há pessoas corruptas em todas as agremiações humanas, não só nos partidos ou nos governos. O combate à corrupção deve ser feito levando em conta, acima de tudo, o abrigo do Estado Democrático de Direito. Investigações isentas de padrões ideológicos, provas concretas e obediência ao devido processo legal são os princípios orientadores do combate à corrupção.

Ao fim, devemos também incorporar esse elemento à nossa equação social. Honestidade, para o homem público, não é mérito, é obrigação e condição sem a qual não há nem diálogo. E o homem público, e isso já foi expressado por gente muito mais competente que eu, é como a mulher de César: não basta ser honesto, tem de parecer honesto.

Em suma, vemos um rapaz que foi condenado e cumpriu uma pena pelo crime que deveria ser o mais abominado pela sociedade, o homicídio qualificado, avocando-se a voz da justiça e da retidão. E nós? Em que ponto nós, que não cometemos nenhum crime, estamos com relação a isso?

ESTE TEXTO TEVE O AUXÍLIO LUXUOSO E FOI EDITADO PELA MINHA AMIGA QUERIDA JULIANA LUDMER

Uma resposta

  1. Guilherme já foi julgado, condenado e cumpriu a pena dele, mas continua sendo julgado por suas escolhas, estudou Teologia e tornou-se pastor da igreja Batista e apoiador do dito evangélico Bolsonaro. Tudo que vc registra é bem pertinente e com este fio vc questiona como existe uma aceitação natural da direita corrupta em 500 anos e um discurso, eu diria hipócrita, de que só a esquerda é corrupta e defensora de ladrões. Este assunto é complexo e demandaria um estudo muito aprofundado.

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