Um libelo contra as ditaduras e os estados de exceção em países latino americanos, costurado em forma de poesia cinematográfica.
Em cartaz em várias salas de cinema, o filme Ainda Estou Aqui arrebatou mais de um milhão de pessoas para as salas de cinema. Walter Salles é um poeta da imagem. Já tinha provado isso em Central do Brasil e agora retorna, nos brindando com essa joia.
O filme é dos mais comentados da atualidade e merece todos os elogios. Fernanda Torres está magistral. Uma das coisas mais difíceis para o ator é interpretar o medo, porque é uma reação muito primeva. A atriz demonstra isso em diversas cenas. Eunice é uma personagem arrebatadora.
Não obstante o brilho de Fernanda, os atores estão todos muito equilibrados. Eu, particularmente, adorei ver Thelmo Fernandes, um ator que eu amo desde que o vi como Creonte numa montagem de Gota d’Água. Selton Mello encarnou com delicadeza o espírito bonachão de Rubens Paiva.
Adaptações traem o espírito da obra, mas nos brindam com novas belezas
Walter selecionou muito bem os trechos do livro sobre o qual já escrevi aqui. Fez as elipses necessárias e abordou com muita sensibilidade um tempo duro. Os anos de chumbo trouxeram lacunas, porque muitos brasileiros perderam familiares, amigos, conhecidos. Muita gente sumiu nesse tempo e os milicos mentiam deslavadamente, pois dominavam os veículos de comunicação, muitas vezes cúmplices da situação.
Hoje sabemos que Rubens Paiva não durou uma noite de tortura e imaginamos a brutalidade com que a repressão o torturou naquela cela. E tudo porque alguns exilados encaminharam cartas interceptadas na chegada. Mas a tortura psicológica a que muitos ainda estão submetidos é impressionante. Muitas pessoas ainda buscam seus familiares raptados pelo regime brutal.
O cinema brasileiro está de parabéns. Não é uma indústria que produz dezenas de porcarias anualmente. Quando faz, faz muito bem feito!