Eu sou viciado nos episódios do seriado Law and Order. O original, com Sam Waterson no papel de Jack McCoy, para mim, continua imbatível, mas o SVU também é ótimo.
São policiais dedicados e as questões abordadas são delicadas. Muito embora essa visão do Direito Penal seja muito contrária à que, teoricamente, defendo, os episódios são emocionantes e nos colocam em conflito com situações jurídicas bastante peculiares.
Como funcionaria a justiça numa verdadeira República
Todavia, uma das coisas que mais me encanta é a forma com que o Direito Penal é tratado lá. O juiz está realmente equidistante das partes, como deve ser numa verdadeira república. Inexiste favorecimento para a acusação nem para a defesa. Outra coisa importante, é a garantia dos direitos individuais. Em diversos episódios essa questão é posta: provas obtidas ilegalmente, buscas e apreensões sem autorização judicial, invasões de domicílio, escutas ilegais são sumariamente descartadas pelo juízo atuante no feito, sem maiores conjecturas.
Ao contrário de lá, no Brasil, está em vigência uma estrutura tremendamente cartorialista. A magistrada ou o magistrado que preside a audiência se senta num tablado, acima de todos, assim como lá. Contudo, aqui, a acusação se senta à direita do juízo, e com ele confabula, enquanto o acusado fica 20 cm abaixo, sentindo toda a opressão do Estado acusador sobre si.
Desculpe, amor. O dever me chama.
Não obstante tudo isso, uma coisa sempre me chama a atenção: o dever chama e as personagens deixam tudo o que estão fazendo para atender.
Vários são os casos em que Eliott está com a esposa, numa conversa íntima séria e espinhosa da vida do casal quando o telefone toca e o policial sai e deixa Kathy falando sozinha, mesmo que o assunto envolva a educação, saúde ou bem-estar de um dos quatro filhos do casal.
Todos os personagens, desde o início da série, se veem em situações em que têm de abandonar assuntos particulares, nos mais diversos horários, em função do trabalho, como no exemplo acima.
Aí, hoje, me deparo com a seguinte manchete no Globo.com: “Urgência de responder às mensagens de trabalho destrói lentamente a saúde mental”. O artigo menciona correspondências eletrônicas e mensagens de aplicativo em horários diversos e a pressão do empregado em respondê-las.
Este é só mais um dos males do capitalismo contemporâneo. A pressão em trabalhar horas intermináveis, a invasão da vida privada pelo ambiente de laboral, a falta de privacidade e, por fim, nos casos mais graves, a síndrome de burnout (lê-se bârnaut), que em tradução muito livre, dá a ideia de fósforo apagado.
Em suma, somos bombardeados diariamente com exemplos de profissionais da ficção explorados por seus patrões, que priorizam seus trabalhos em detrimento de ter uma vida pessoal satisfatória. Trabalhar, para quem defende esse tipo de ética, é a única coisa que importa. Esse “comprometimento” acaba transformando seres humanos em meras engrenagens de uma máquina de enriquecer os detentores dos meios de produção. Ao passo que a felicidade pessoal, o desenvolvimento dos talentos e das potencialidades individuais, sejam artísticas, esportivas, filosóficas, ou mesmo laborais, ficam relegadas ao campo do sonho.
Essa é a grande fonte das infelicidades cotidianas do mundo contemporâneo. Quanto tempo temos para nos dedicarmos a atividades realmente alimentadoras da alma? Ao fim e ao cabo, quase todos os nossos males têm sua origem na luta de classes, na dominação dos ricos nos oprimindo e só ficando cada vez mais ricos.