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CINEMA

A Mulher Rei e a força de Viola Davis

Ontem foi dia de sair do cinema com a alma lavada! A produção estadunidense A Mulher Rei é uma das melhores coisas do Séc. XXI em termos de cinedramaturgia.

Viola Davis

A diretora Gina Prince-Bythenwood é uma linda mulher não branca estadunidense, com uma forte bagagem cinematográfica e em séries de televisão. Gina é formada em cinema pela Universidade de Los Angeles (UCLA Film School). Conseguiu fazer, sem dúvida, uma produção excelente, contando com um elenco quase inteiramente formado de pessoas negras, capitaneado por ninguém menos que a DIVA Viola Davis.

As Agojie eram temidas por toda a África

A película é um libelo tremendamente impactante. Isso porque ela conta a história das Agojie, mulheres guerreiras temidas por quase todas as nações africanas até o final do Séc. XIX. Segundo fontes históricas, esses exércitos femininos foram formados, de fato, pela carência de pessoas do sexo masculino naquela região. Provavelmente como resultado da devastação causada pelos europeus, pois eles escravizaram populações inteiras ao longo de mais ou menos 400 anos.

A fatia da história contada na produção narra as trajetórias de Nanisca e Nawi, na primeira metade do Século XIX, numa das guerras dos Daomé contra o reino de Oyó (protetorado sob a regência de Xangô). Em paralelo, acompanhamos o desenrolar de disputas políticas e a luta de Nanisca contra os fantasmas do passado. De fato, isso privilegia aspectos que não estamos acostumados a ver em produções estadunidenses, como o respeito à religião anímica praticada no antigo reino do Daomé; a existência de homossexuais influentes no reino, relação alterada pela colonização cristianizante e preconceituosa contra as diversidades sexuais; o poder feminino nos reinos; a alegria dos povos africanos, plenamente demonstrada pela relação deles com a música. Enfim, uma produção deliciosamente encantadora e, com toda a certeza, grandiosa.

Pôster do filme A Mulher Rei

Viola Davis é a diva principal, impossível não falar na qualidade do trabalho de interpretação dessa força telúrica do cinema estadunidense. Depois de passar pelo papel de Annalise Keating, uma advogada de caráter duvidoso, mas brilhante nos meandros do Direito Penal, ela ainda foi uma das empregadas no filme médio “Vidas Cruzadas”; brilhou ao lado de Denzel Washington em “Uma Divisa Entre Nós” e está no ar na Globoplay em “as Primeiras Damas”, representando outra potência negra do cenário mundial, Michele Obama.

Viola Davis teve uma atuação perfeita

Numa das cenas iniciais do filme, percebi um detalhe que, usualmente, passa desapercebido em filmes de generais brancos, nos momentos de batalha. O olhar de Nanisca transparece uma fagulha de medo, antes da dureza da batalha. Falo desta cena somente porque é uma das primeiras e vale a pena o espectador prestar atenção e comparar com filmes de generais romanos ou gregos. Fiquei pensando se é um defeito de atuação, ou uma falta de conhecimento do que de fato é a guerra.

Acho que, nesses filmes de brancos, eles (os atores que interpretam generais ou líderes bélicos) sabem de antemão que vencerão e, por isso, não temem nada e só vão em frente. A fagulha de temor nos olhos de Nanisca numa das primeiras cenas do filme me fez atentar para o quão Viola se imergiu no papel. Eu jamais estive numa guerra, no entanto duvido que qualquer um que enfrente um exército inimigo não tenha, no mínimo, uma fração de segundos de hesitação.

É imprescindível, no entanto, destacar os trabalhos de Lashana Lynch como Izogie, Sheila Atim como Amenza e, principalmente, a jovem Thuso Mbedu, no papel de Nawi. Elas formam a elite do exército das Agojie e brilham demais nos papeis.

O único senão, e que me incomoda não só nesta produção, mas em tantas que retratam populações que não falam inglês. O elenco, mesmo sendo estadunidense, fala inglês com sotaque. Mas não é algo que compromete a imersão na história, é antes algo para a indústria refletir e mudar. Alienígenas falam inglês sem sotaque, mas africanos, indianos, chineses, brasileiros, mexicanos, falam com forte sotaque.

A Mulher Rei mostra a colonização europeia na África

Do ponto de vista histórico, percebemos que a colonização europeia na África colocou nações antes irmãs uma contra a outra e patrocinou a maior atrocidade do milênio: a comercialização de seres humanos escravizados para a produção em massa de comodities nas Américas, recém descobertas. As conseqüências deste comércio impactam ainda hoje, mais de um século depois do fim desta perversidade, refletindo um racismo estrutural e arraigado no ocidente.

Por fim, Mulher Rei é um filme simplesmente imperdível. E é necessário fazer uma campanha para assisti-lo no cinema, para provar à indústria do entretenimento que produções realizadas por mulheres, e ainda por cima, afrodescendentes, podem ser produtos rentáveis, porque o entretenimento, por mais que eu, particularmente não dê muita bola, é o que move essa indústria incrivelmente rentável.

Veja o trailer do filme A Mulher Rei

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