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CINEMA

Hellraiser: uma versão pós contemporânea das fábulas moralistas protestantes

Outro dia me dei ao trabalho de assistir o novo Hellraiser no Prime Vídeo. Eu tinha visto o primeiro, da década de 1980, no cinema e achei bastante angustiante.

Hellraiser versão 2022

As duas versões de Hellraiser têm a mesma premissa: a curiosidade e a busca do prazer extremo. Na primeira, Clive Barker nos leva a uma jornada de angústias, depois que o irmão da personagem principal deixa a misteriosa caixinha/quebra-cabeças no sótão da casa deles, após transar com a cunhada. Salvo engano isso acontece no dia do casamento.

O tal irmão desaparece, mas ressurge como um fantasma e a cunhada atrai vítimas para que ele consiga recuperar seu corpo físico, uma vez que tinha ido parar no calabouço dos cenobitas, os senhores daquela caixa/quebra-cabeça.

A perversão continua na contemporaneidade

Na versão contemporânea, a personagem principal é uma mulher, Riley, viciada em drogas e com problemas de moradia. Vive com o irmão, homossexual, o namorado do irmão e mais uma mulher, numa relação bem conturbada. Ela é envolvida pelo namorado na invasão de uma mansão abandonada, onde a caixa/quebra-cabeça é encontrada por Riley.

A mansão era de propriedade de um milionário, Roland Voight, cuja busca do prazer o levou ao paroxismo supremo, punido pelos Cenobitas de forma bastante angustiante.

Não dou mais detalhes, porque os efeitos especiais em ambas as produções (na de 1987 devem ser consideradas as limitações técnicas da época) são estarrecedores. Em conseqüência, nas duas versões, meu corpo se contorceu de agonia com as cenas.

Hellraiser versão 1987 e 2022

Desde o século dezenove

Refletindo um pouco sobre o que eu ia escrever a respeito das duas histórias, me lembrei de “O Retrato de Dorian Grey”, o livro de Oscar Wilde, não as versões cinematográficas. Pois todas essas obras de ficção trazem a mensagem de que a busca pelo prazer ou pelo conhecimento dos mistérios será punido com um sofrimento excruciante.

Wilde, no final do Séc. XIX, refletiu sobre isso nessa obra magistral. Dorian é um homem de extrema beleza, cortejado por homens e mulheres da aristocracia londrina. O pintor Basílio, celebrado nos círculos, executa um retrato do rapaz, capturando toda a beleza. Dorian sente que aquela beleza é efêmera, mas que o retrato lhe lembrará para sempre que um dia foi jovem e belo. Neste momento, faz uma espécie de pacto com o sobrenatural e pede para ter para sempre aquela aparência.

O jovem cai num círculo de vícios, de libertinagem, de prazeres profundamente proibidos para a era vitoriana, e percebe, quando comete o primeiro “pecado”, que o quadro se transformou, adquiriu uma espécie de cicatriz, enquanto seu rosto permanece inalterado. Por causa disso, esconde a obra de arte para continuar cometendo seus delitos.

O cristianismo glamouriza o sofrimento em troca de uma recompensa que nem sabemos se virá

Fico pensando o quanto a ética protestante, que permeia as três obras de ficção, entende que nós humanos não devemos ter prazeres ou alegrias nesta vida, porque isso será punido com dores insuportáveis. O quanto a moral cristã está embebida nesse buscar o sofrimento para purgar os pecados e adquirir a glória numa vida após a morte.

Os sistemas de crença trazidos para o Brasil pelos escravizados, pelo que já pude compreender, discorda dessa crença. Para nós, os humanos foram criados para serem felizes. Ou seja, para cantar, dançar, ter prazer, viver em comunidade e progredir tentando, ao máximo, sem prejudicar ninguém de propósito.

Embora muito permeados pelo cristianismo, o nosso sistema de crença não vê uma regra geral para todos, punida no pós morte. Pois as conseqüências são nesta vida mesmo e o aprendizado também é para ser utilizado neste plano. Mas o que acontece no outro plano é mistério, trazidos ao plano terrestre pelos Egunguns.

Vale a pena ler o livro Hellraiser e ver os filmes. O Retrato de Dorian Grey está disponível na Amazon.com em várias traduções, sobre as quais não posso opinar, porque li no original. Hellraiser – Renascido do inferno está disponível para locação no Prime Vídeo. Se você é muito fã de Hellraiser, vai gostar desse Omnibus sobre o filme.

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