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DIVERSOS

Polícia ou Capitão do Mato?

As notícias desta semana são muito apavorantes. Foram duas atuações verdadeiramente homicidas das forças policiais, instituição que deveria estar aí para cuidar das nossas vidas e da nossa segurança.

Há anos o deputado Jean Wyllys denunciou numa sessão da comissão da Câmara dos Deputados de que fazia parte, a doutrinação dos policiais nas atuações contra as populações menos favorecidas economicamente, especialmente contra as pessoas de pele preta. É a presunção de culpa. A impressão que dá é que existe uma espécie de treinamento, dizendo constantemente ao policial que o negro é um inimigo a ser enfrentado e não um cidadão. Com relação à minha impressão pessoal sobre isso, eu morava em Copacabana, ao lado da escadaria por onde se acessa o Morro dos Cabritos, comunidade até pacífica, perto das outras da Zona Sul e, cada vez que os policiais militares estavam na entrada inferior da escada, na função de revistar dos passantes, quem tinha a pele mais clara sempre era aliviado, as pessoas mais escuras eram sistematicamente vistoriadas, mochilas abertas, pertences espalhados pelo chão, baculejo contra a parede. Era nítida a seleção exclusivamente pelo tom de pele.

Voltando ao noticiário desta semana, as forças policiais estaduais e federais no Rio de Janeiro se espalharam pela Vila Cruzeiro e pelo Complexo da Maré e eliminaram pelo menos 25 pessoas. Os noticiários, diziam existir um trabalho anterior de inteligência das polícias, mas se isso realmente houve, como pode ter havido tanta morte? A PM, a PF e a PRF juntas estudaram os envolvidos no tráfico a varejo de drogas naquelas localidades? Se sim, por que razão o resultado foi tão letal? Voltamos a insistir que o Estado tem de entrar nas comunidade firme e forte para diminuir a criminalidade, mas com infraestrutura, educação, lazer, saúde. Só a polícia atirando, matando, não vai resultar em efetiva pacificação, mas tem o efeito contrário, de transformar essas comunidades em barris de pólvora (com o perdão do lugar comum).

A segunda notícia foi em Umbaúba, interior de Sergipe. Genivaldo de Jesus Santos, desarmado, foi colocado na caçamba de um veículo da Polícia Rodoviária Federal e assassinado numa câmara de gás improvisada. Nos jornais, a PRF diz que usou o menor potencial ofensivo para agir contra um homem desarmado. Imagine só se é o maior potencial? Vai picotar? Jogar numa fogueira?

As cenas são profundamente perturbadoras.

No exato momento em que escrevo, dois brancos e uma branca estão discutindo isso num grande canal de televisão a cabo. Indignados, certamente, dizendo o óbvio, mas se esquecendo de que a companhia a que servem está arraigadamente e umbilicalmente ligada à estrutura de poder da qual esse comportamento se origina.

Nossa polícia está ainda vivendo nos tempos da Ditadura implantada em 1964 e uma classe de gente no Brasil aplaude esse tipo de atitude. Quem votou no excremento sentado à cadeira do planalto se esquece de que vivemos no império da Lei, regidos desde 1988 por uma Ordem Constitucional, cujo art. 5º, inc. XLVII proíbe a imposição de pena de morte, ressalvado caso de traição em tempos de guerra e o inc. LVII estabelece a presunção absoluta de inocência até o trânsito em julgado de sentença condenatória.

Esses dispositivos constitucionais estão diuturnamente sendo desobedecidos. A polícia já matou negros que portavam mochila, guarda-chuva, livros, por achar a atitude suspeita e ameaçadora. A essas pessoas, inocentes, nem foi dado um alerta, um aviso. Há relatos de um jovem assassinado com um tiro no peito, mesmo tendo erguido as mãos num beco. Tudo isso é muito cruel, é uma inversão gigante dos valores de uma sociedade civilizada e democrática. Parece mesmo que há uma política de extermínio.

A garantia constitucional a um julgamento justo, amparado pelo contraditório, pela ampla defesa e pelo devido processo judicial é letra morta para essas pessoas. A polícia olha para a cara do cidadão, decide que é culpado e, contra todo o sistema legal brasileiro, executa com a pena capital.

Estamos muito distantes de resolver essa situação apenas com textos como este, especialmente porque o meu alcance é mínimo. É imprescindível uma ação efetiva das instituições judiciais, instância a que os conflitos devem ser levados para serem decididos, na mudança dessa situação. Uma efetiva fiscalização das polícias (talvez as câmeras de gravação instaladas nos uniformes policiais seja um primeiro passo), mas também uma forte reciclagem nos treinamentos policiais, uma mudança de chave na mentalidade dos órgãos de repressão da criminalidade, e, principalmente, a extinção da Polícia Militar, herança maldita da ordem dos anos 1960. A polícia deve ser um órgão que investiga e entrega o criminoso ao Ministério Público e este denuncia ao Judiciário, submetendo o indivíduo àquele julgamento justo e garantido acima mencionado.

E mesmo depois desse julgamento, o indivíduo terá sua vida resguardada, porque vida não é pressuposto, não é direito, é a verdadeira essência do que deve ser mantido.

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