Asas do Desejo, de Wim Wenders, e Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho dialogam de forma inusitada, tendo por personagens cidades emblemáticas de suas culturas.
Alemanha e Brasil, Berlin e Recife. O que haveria de comum entre as duas cidades separadas por um oceano e meio continente? Pouca coisa, mas mesmo assim os filmes dialogam de forma muito poética. Wim Wenders traz nessa obra sensível de 1987 uma Berlin ainda separada pelo muro que cairia dois anos depois. Kleber mostra as modificações na casa, no bairro e no centro do Recife, cidade de sua paixão.
Asas do Desejo conta a história de um anjo, cujo maior desejo é ter as sensações humanas. Antes de se humanizar, no entanto, são propostas profundas questões filosóficas sobre os caminhos traçados pelos seres humanos ocidentais. Eu acho que falta ao alemão um traço de questionamento contracolonial, talvez porque ainda estivéssemos num ponto do entendimento eurocentrado.
Nada obstante, a sensibilidade com que Wenders nos comunica seus questionamentos a respeito do que realmente desejamos impressiona. Um dos detalhes emocionantes do filme é a participação de Peter Falk, fazendo a si mesmo e como se também fosse um anjo humanizado. A fotografia do filme é sensacional. Enquanto Damiel, o personagem de Ganz, é anjo, tudo está em branco e preto. Quando se torna humano e sai atrás do amor da trapezista francesa Marion, as cores aparecem.
Retratos Fantasmas – As mudanças de um Recife poético
Por sua vez, Retratos Fantasmas é um documentário sobre as transformações de Recife, seus bairros e sobre a paixão de Kleber pelo cinema. Roteirista e diretor de diversos filmes, seu nome ganhou projeção nacional com Aquários, estrelado por Sonia Braga, e que conta a história da especulação imobiliária na praia de Boa Viagem, em Recife. O filme foi indicado à Palma de Ouro no festival de Cannes de 2016. Em seguida, escreveu e dirigiu Bacurau, uma denúncia do imperialismo e um libelo sobre o sertão e seus mistérios.
O filme Retratos Fantasmas trata também de desejos, paixões e uma cidade transformada pelo poder do dinheiro e a mudança do eixo. Assim como Berlin está para a Alemanha, Recife é um importante polo cultural do Brasil, onde floresceram nomes expressivos, como Chico César e Nação Zumbi, Alceu Valença, Ariano Suassuna, que apesar de paraibano, viveu muitos anos às margens do Capibaribe, para citar apenas os mais famosos. Mas a Veneza Brasileira tem ainda os azulejos e trabalhos esculturais de Brennan, as ladeiras e a arte barroca da vizinha Olinda, embora não retratada no filme de Kleber, inspira quem lá vive.
Ambientado pela transformação da própria casa e do centro da cidade, Retratos Fantasmas é uma poesia cinematográfica em homenagem à capital do Pernambuco.
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